Composto por 15 contos, Sereno Mundo Azul é um dos últimos trabalhos de Marina Colasanti. O livro recebeu o VII Prêmio AEILIJ (2023) na Categoria Hors Concours.
A literatura infelizmente sofre os primeiros dias de luto com a perda de Marina Colasanti, que nos deixou no último dia 28, terça-feira, no Rio de Janeiro e deixou um legado de mais de 70 livros e diversos prêmios literários. A autora é, sem sombra de dúvidas, o maior nome da literatura fantástica para crianças e adolescentes do Brasil, apesar de ter escrito também para adultos. Aqui fica a nossa homenagem à grande formadora de leitores que foi.

Com ilustrações da artista plástica colombiana Elizabeth Builes, que deixam qualquer um apaixonado pelo livro físico, Sereno Mundo Azul é uma obra que leva o leitor a usar a imaginação. E ao deixar-se ser levado, mundos mágicos e personagens fantásticos passam a ser presentes em nossos corações.
“Tudo é sereno nesse mundo azul onde, junto ao chorão, uma dama de quimono lê o poema que o amado lhe enviou atado com uma fita e uma flor glicínia. Tudo parece inalterável.”
pág. 85
Composto por 15 contos, Marina Colasanti apresenta personagens como marinheiros, anciões, reis e agricultores, em um convívio ao lado de galinhas, lobos, raposas e morcegos. Animais que, por vezes, podem conversar e pensar como gente. E o mais lindo do livro é a presença do azul em quase todos os contos, seja no céu, no mar ou em objetos de grandes valores sentimentais.
No conto “Um desejo nunca antes”, vemos o lado imaginário da escrita de Colasanti, onde um homem, ao caminhar no campo, encontra uma cabeça de mulher plantada na terra, que conversa e tem sentimentos humanos. Após alguns dias de intimidade, ele deseja levar a companheira para a sua casa e assim faz. Qual será o próximo desejo da dupla?
Já em “Três peras no prato”, o meu favorito do livro, um súdito decide oferecer para o seu rei as três frutas que plantou e acaba de colher. O rei, muito esperto, passa a dizer que, por estarem em suas terras, tanto as frutas como a pereira são totalmente suas, mesmo sem ele ter feito nenhum esforço para produzir os frutos. O final do conto é um grande ensinamento a qualquer um que o ler.
Isso mostra que mesmo aquele que tem todas as terras, todos os reinados e muito poder, não pode ter tudo o que deseja e que o conhecimento e a sabedoria são sempre de quem os tem e, não de quem os governa. É como uma mãe que faz um bolo delicioso e mesmo ao seguirmos a receita por completo, ele não fica igual. Ou um funcionário excelente que desenvolve um projeto em uma empresa e depois de alguns anos sai do local e substituto não executa tão bem o projeto como o anterior, mesmo fazendo tintim por tintim.

E em “O ano em que”, Marina nos leva ao seu tal Mundo Azul, também conhecido como o “mundo dos contos de fada”, onde neva, animais falam, mas aqui nem todos são felizes para sempre, o que faz da autora a grande contadora de histórias para os brasileiros, diferentemente da cultura europeia.
No trecho abaixo, por exemplo, um lobo conversa com uma viúva:
“– Fui escorraçado pela minha matilha. – disse o lobo baixando as orelhas para demonstrar sua mansidão. E em parte era verdade. – Preciso desse emprego para sobreviver. Prosseguiu dizendo que conhecia todas as manhas dos lobos e que tinha autoridade sobre os cães. Levaria o rebanho ao pasto e o protegeria. Em troca, ou em pagamento, ela lhe daria dois cordeirinhos ou uma ovelha por mês. O resto da alimentação ele mesmo caçaria.”
pág. 48
O conto que dá título ao livro, o penúltimo do livro, é uma descrição do universo criado pela autora, e de alguns dos personagens que ali vivem. Até que um acontecimento que assustaria qualquer um de nós, acontece no reino fantástico, mas logo em seguida, a tranquilidade e a rotina voltam aquele mundo cheio de belezas particulares.
Podemos analisar este conto ao famoso toque de recolher, em que a partir de tal horário circular em um certo bairro pode ser perigoso, mas no dia seguinte, pela manhã, todos estão vivendo aparentemente em uma grande normalidade, indo para suas ocupações. Ou um fato mais palpável para todos, seria a pandemia de Covid-19, onde o medo pairava em cada um e práticas de higiene e de saúde pareciam que virariam rotinas, mas hoje, o mundo voltou a ser como era antes em praticamente tudo e quem sobreviveu, vive a sua vida não como um guerreiro por sobreviver, mas mais um simples e pobre mortal.
Ao ler os livros de Marina Colasanti, é deixar que a imaginação tome conta dos nossos corações. Ao ler Sereno Mundo Azul, isso não difere. É impossível não se sentir uma criança novamente, que ao deitar-se na cama, pede para a mãe contar uma história até cair no sono. Só que aqui, quem conta um conto fantástico é Marina, que nos leva a lugares mágicos, cheios de criaturas que achávamos que só existiam em nossos sonhos, mas Marina mostra que basta imaginar, e eles estão bem em nossa frente!

Marina Colasanti recebeu por nove vezes o Prêmio Jabuti, sendo o último deles no ano passado, onde foi eleita a Personalidade Literária, além de receber o Prêmio Machado de Assis, oferecido pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra, e foi finalista do Prêmio Hans Christian Andersen, o Nobel da Literatura Infantil mundial.
Com sua partida, Marina deixa milhares de leitores órfãos que se formaram com suas histórias fantásticas de livros como Sereno Mundo Azul e outros clássicos, como Entre a espada e a rosa (Melhoramentos), A moça tecelã (Global) e Quando a primavera chegar (Global), livro que composto por contos de outro livro seu, Mais de cem histórias maravilhosas, quando decidiu com a Global Editora criar um livro a partir de outro, para ser mais acessível aos jovens leitores.
O livro Sereno mundo azul, de Marina Colasanti, também foi editado pela Global Editora e está disponível na Amazon para compra no formato físico.
Abraços Literários,

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